Da autoria da Sabrina Lima, “Identidades do Porto” procura visibilizar a diversidade de identidades que constituem o Porto (Portugal), questionando o papel da cidade enquanto espaço de convívio ou de exclusão. Hoje, na praça da estação de metro da Trindade, foram expostos testemunhos com rosto e identidade. Até ao dia 15 estarão lá.
O projecto Living City, onde se insere o “Identidades do Porto”, que tomou forma com o apoio do Criatório da Câmara Municipal do Porto – “surge da vontade de reflectir sobre o rumo que estamos a dar ao mundo e à sociedade”, afirma o arquitecto Orlando Gilberto-Castro, o autor.
“É uma vontade que tem vindo a tornar-se mais e mais urgente no decurso dos últimos anos, consequência tanto de uma maturação pessoal como de vários acontecimentos, quotidianos e de grande escala, nacionais e mundiais que a tornam, mais do que uma vontade, uma necessidade”, explica o autor, acrescentando que “é daí que nasce o manifesto desta cidade viva que tentamos agora construir. Da tomada de consciência de que não há mais como não tomar posição”.
O arquitecto afirma que “quer-se, pois, mais do que atingir um determinado resultado – previsível, consensual, vendável -, dar lugar a inquietações negligenciadas socialmente – porque minoritárias, porque demasiado específicas, porque sem forma definida, porque apenas intuídas – e com elas desenvolver espírito crítico e ferramentas para uma cidadania mais honesta e mais justa, equitativa e empática”.
O Ecoante, instalação móvel da arquitecta Mariana Almeida, foi o primeiro “abalo sísmico” do projecto Living City e teve lugar no dia 11 de Maio num “percurso do Jardim de Arca D’Água à Praça Carlos Alberto para pôr os portuenses a pensar sobre a existência (ou falta) de espaços de participação cidadã na cidade”.
Sobre este Ecoante, a jornalista Maria Monteiro, do jornal Público, escreveu o que a seguir transcrevemos com a devida vénia:
«O olhar distante e indiferente da figura de Almeida Garrett, defronte do edifício da Câmara Municipal do Porto, é um prelúdio altamente simbólico das reacções desencadeadas cidade fora pela Ecoante, instalação móvel criada pela arquitecta Mariana Almeida no âmbito do projecto Living City Porto, que esta terça-feira fez um percurso entre o Jardim de Arca D’Água e a Praça Carlos Alberto para convidar os portuenses a questionar a ausência de plataformas de participação cidadã na cidade e o nível de envolvimento que têm na construção de dinâmicas e decisões colectivas.
Estacionada em frente à Câmara do Porto, a estrutura amarela, assente sobre rodas, tem vários degraus que dão acesso a uma espécie de púlpito, não muito diferente daqueles em que se fazem boa parte dos discursos ou debates políticos. A larga maioria das pessoas passa pelo objecto, alheia e desinteressada, mas mesmo os mais curiosos resistem a aproximar-se. Talvez porque, como Mariana Almeida, sintam que, apesar de aqui passarem, viverem e/ou trabalharem, não têm lugar entre as vozes que debatem o dia-a-dia da cidade. “A minha sensação é de que ando por aqui, mas de forma nenhuma consigo ter um contributo ou ter alguma coisa a dizer sobre a cidade”, explica ao PÚBLICO.
Burocracia inibe participação?
O fosso existente entre os cidadãos e as instituições esteve na base da sua candidatura à open call do Living City Porto, projecto do arquitecto Orlando Gilberto-Castro, apoiado pelo programa municipal Criatório, que segundo o próprio pretendeu reunir “inquietações de gente variada, artista ou não, sobre a cidade” para depois materializá-las de forma “comunicável” e propiciar a interacção dos participantes com a cidade. Com esta peça, o primeiro trabalho do projecto a ser mostrado em público, a arquitecta quis “visibilizar essa falta de espaços informais de discussão cidadã [no Porto]”. “Quem tiver a coragem de subir os degraus depara-se com a frase ‘Qual é a voz da tua cidade?’, que é uma provocação sobre o que a cidade nos diz e o que queremos que ela nos diga.”
Embora instrumentais para o exercício da cidadania, os movimentos, colectivos e associações de moradores muitas vezes têm “dificuldade em serem ouvidos”, observa. Por outro lado, importa perceber se “os mecanismos de participação existentes funcionam ou se são muito burocráticos”. Mariana não tem dúvidas de que a logística necessária à inscrição para participação na discussão numa reunião camarária, por exemplo, está ultrapassada. “Com as tecnologias e os sistemas que temos hoje, já não me parece deste tempo.” Além disso, a desacreditação da participação política leva a que muitas pessoas se retraiam da participação nesses processos. “As pessoas sentem que não importa o que dizem”, problematiza.
Também determinante para perceber o nível de envolvência dos cidadãos na vida pública é o “pensamento individualizado” que rege a sociedade contemporânea, argumenta Mariana Almeida. O papel predominante das redes sociais como espaço de eleição para discussão (ou atropelo) de ideias realça estas características. “O problema é que ali vou falar do problema do meu quintal, não do do vizinho e do colectivo.”
“Dar a voz ao povo”
A presença da peça no espaço público adquire especial relevância, precisamente, por se situar fora das bolhas existentes nas redes sociais ou mesmo nas associações e colectividades da cidade. Segundo a autora da instalação, esses circuitos têm adjacente um “risco de estarmos a falar com pessoas que pensam como nós”. “É aqui que nos cruzamos com as outras pessoas e nos podemos construir através desse contraste.”
Recentemente, a Ecoante esteve presente na exposição do movimento Por um Jardim Público para o centro da Boavista, cujo objectivo era mostrar as possibilidades de ocupação dos terrenos da antiga estação ferroviária da Boavista em alternativa ao El Corte Inglés para ali planeado, e serviu para “ver além do muro”. “Muita gente se esquece da dimensão do terreno que existe ali”, nota Orlando Gilberto-Castro. O movimento ilustra, aliás, a falta de um espaço de escuta para os cidadãos. “Pedimos uma reunião à Câmara, mas ainda não foi possível fazê-la”, nota o arquitecto, integrante do movimento.
Apesar de ser encarado com estranheza por muitos, o púlpito móvel é mais fácil de compreender do que parece. Ainda mal tinha arrancado e um senhor parou-o para saber do que se tratava. “Participação”, resumiu Mariana. A palavra tinha a resposta que procurava e que recebeu com agrado. “É dar a voz ao povo, acho muito bem.” »
Orlando Gilberto-Castro vive no Porto desde 1989, é arquitecto e co-fundador do Colectivo ORA, que trabalha a realidade através de intervenções efémeras no espaço público. Desde 2011 integra o TUP – Teatro Universitário do Porto (o grupo de teatro amador mais antigo da cidade), do qual foi director durante vários anos.
Fez parte de diversos projectos editoriais, nomeadamente da S/CISMO – promovida pelo TUP e da qual foi criador e coordenador –, uma fanzine sobre o aqui-e-agora, sobre a urgência de dizer, de tomar posição.
Foto: Um dos testemunhos com rosto e identidade foi o da angolana Jenice Rogério, que vive em Portugal há 8 anos.